segunda-feira, dezembro 11, 2006

Incapacidade

O incapaz é antes de tudo aquele que se julga como tal. O incapaz não tenta. O medo de uma colocação errada o faz guardar suas reflexões para si próprio, mas um pensamento sempre pertuba o incapaz: ‘’ Eu tinha pensado exatamente isso que ele disse, na próxima eu falo’’.

Para o incapaz todas as ações e pensamentos de outras pessoas são fantásticos e criativos. E o incapaz sempre se lembra: ‘’ Eu nunca teria pensado nisso’’.
Antes que o apontem como incapaz, o sujeito em questão se cala em sua incapacidade.

Ele é um soldado, que antes mesmo da batalha começar já está vencido, derrotado pela incapacidade de lutar.

Por RAFAEL ABREU

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Don't Try It Baby

A noite é escura e o vento gelado corta a pele. Ando, ando, mas não sei pra onde ir. Ruas, praças, tudo escuro e vazio. Um aperto no peito, olho pra cima, a lua não existe, encoberta por negras nuvens. Alguém, é um mendigo, ele se aproxima, desvio o olhar, desvio meu caminho. Continuo a andar, nada faz sentido. Os dias a muito tempo tem sido péssimos. O que fazer, o que falar, pra onde ir? De repente, chego, estou em casa.

Subo, as escadas rangem. Pronto, 627. Abro a porta, casa, não sei por que chamei isso de casa. Um quarto, coisas jogadas pelos cantos, coisas quebradas, coisas estragadas, elas também não fazem sentido. A luz amarela do poste entra pela janela, não acendo a minha. Sento, depois deito, olhos abertos na cama. Estico a mão, o velho toca-discos, o disco já está lá. Começa a rodar, Queen, The Game. A próxima música, Don’t Try Suicide, ela começa. Levanto, vou ao banheiro, olho o espelho. É meu rosto que está ali, mas que rosto é esse? Não sei. Volto, vou até a janela, olho, iluminado pela luz do poste um bêbado nas próprias pernas tenta se equilibrar, e cai.

A música continua. Volto-me, um copo d’água, desce gelado, como o vento lá fora. Sento novamente na cama, mais uma vez estico a mão, agora a gaveta. Tateio algo também gelado, metal. Seguro, abro, somente uma bala. Fecho, olho ao redor, o teto, as paredes. No som, “don’t do it, don’t you try it baby”. Aponto, é a boca, fecho os olhos. Aperto o gatilho... nada. Mais uma vez, agora...

A música continua... “Don’ try suicide, nobody’s worth it, nobody cares, you’re just gonna hate it, nobody gives a damn…”

Escurece, tudo negro. De repente, um clarão, branco, branco intenso. Se foi, tudo negro de novo, negro, negro...

Língua


Língua

Língua que transmite som
Traduz palavras
Traduz sentimentos
Joga ofensas
Joga amor
Lingua que roga
Língua que sente gosto
Gosto amargo
Gosto doce
Gosto bom e ruim
Língua que sente
Sente a língua
Sente a pele
Sente o contato com o prazer
Língua primitiva
Sentido primitivo da palavra
Sentido mais puro
Sentido maturo
Descobre o mundo
Desliza na forma e no curioso
Língua sentido
Sentido humano
Sentindo o que não é ressentido
Sentido em pleno sentido

domingo, dezembro 03, 2006

Chernobyl


Chernobyl, pânico!
Maligna nuvem no ar
Maléfica silenciosa...
Destruidora

Penetrante, vazada
Dilacerante
Esquimoses, úlceras
Síndrome angustiante
Urânio, radioativo
Embrutecido...

Matéria fatal, mortal
Corpo apodrecido
EXPLOSÂO...

sábado, dezembro 02, 2006

Insônia




Dez horas da noite. Estou cansado. Não tenho vontade de dormir.
Ligo o computador. Email, orkut, MSN, youtube.
O passatempo habitual não agrada hoje.
Ligo a TV.
Tiros e sangue no 62.
Um sucesso de bilheteria no 61.
Um clássico de Fellini no Cult.
No TNT, um filme que eu já vi.
Na Fox, um filme que não quero ver.
No Multishow tem música. Na MTV também.
Luciana fala besteira.
Gilberto Barros e a prova do tubo.
Não vejo novela na Globo, também não vou ver na Record.
Pra mim já chega.
Vou dormir.

Um copo de leite com Nescau e alguns biscoitos.
Escovo os dentes, arrumo a cama.
Estou pronto.
Deito e fecho os olhos.
Espero um pouco. Um pouco mais.
O sono não vem.
Conto carneirinhos.
Um carneirinho, dois carneirinhos, três, quatro... cento e vinte sete.
Perco a conta.
Desisto.

Olho par o teto.
Olho a hora. Dez e quarenta.
Ah, ainda é cedo. Não é hora de dormir. Por isso não consigo.
Volto para a sala.
Sento no sofá.
Procuro o controle.
Ligo a TV.
Uma cobra faminta observa um suculento sapo no Discovery.
No Cartoom, um desenho da minha infância.
Um carro explode no AXN e eu continuo sem conseguir pegar no sono.
Mudo, mudo e mudo de novo.
Passo por todos os canais.
Olho a hora, onze e vinte e três.
O tempo não passa. O sono não vem.
Eu fico impaciente.
Um programa bom, é só o que peço.

Vou ao banheiro.
Banho quente para relaxar.
Volto para a sala.
Um filme de suspense no 43
Um crime, muitos suspeitos.
Quem será o assassino? Fico tenso.
Esqueço o sono. Não quero mais dormir.
Agora eu quero desvendar o mistério.
Mais mortes, mais tensão.
Tenho um palpite.
Meu suspeito morre.
E agora? Quem é o assassino?
O final se aproxima.
Fecho olho.
Quando abro não há mais suspense.
Não há mais filme.
Doutor House examina um paciente.
Quem matava? Eu não sei.
Adormecei.
E o pior; agora estou acordado.
Sem assassino e sem sono.

Uma hora. Hora de criança estar dormindo.
Não sou mais criança. Continuo acordado.
No Sportv tem futebol.
O jogo é ruim. Já sei o resultado.
No 60, assisto pôquer.
O barbudo blefa e ganha.
No shoptime vende-se de tudo
Tudo é caro.
Já no 22, vendem-se tapetes.
Quem compra um tapete compra demais.

Os canais passam, mas o tempo custa a passar.
A posição no sofá incomoda
Já estou deitado.
Chamo o sono. Ele finge que não ouve.
A MTV recomenda um livro.
Aceito a sugestão.
Não quero um livro bom. Quero algo chato, que me faça dormir.
Procuro na estante.
“O pessimismo e suas vontades”.
Nietzsche e schopenhauer. A dupla perfeita. Melhor do que qualquer sonífero.
Começo a ler e logo paro.
Duplinha chata. Perco o pouco sono que tinha.

Volto para a TV.
NET Digital. 24 horas no ar
O 17 informa a hora, duas e meia.
Coloco no 64, Al Pacino fala português.
Ele também está com insônia.
Compartilhamos o mesmo problema.
Espero não ter o mesmo final que ele.

No 62 não há mais tiros nem sangue.
No HBO, começa um filme engraçado.
Começo a ver, mas não estou com vontade de rir
Coloco no Sony.
Lá o seriados já vem com risadas embutidas.
Assim, eu economizo as minhas.


No 63, ele se declara e ela aceita.
O amor é lindo.
Bem que a vida poderia imitar a arte.
Não imita.
Penso nela.
O que deve estar fazendo?
Provavelmente dormindo. Sonhando com os anjos
Comigo também? Quem dera.
Acho que não.
A vida é dura.

Então eu mudo, e mudo de novo.
Meg Ryan e Nicolas Cage aparecem na tela.
Eles estão felizes.
A felicidade dura pouco.
Ele fica triste. Eu também

E de repente estou na rua.
Não passa carros nem pessoas
Estou só.
Percebo um vulto que se aproxima.
Ele diz algo
Eu não entendo
Ele aponta uma arma e eu não compreendo.
Então atira.
Me sinto quente.
Tudo fica escuro.

E eu acordo.
Foi um sonho, um pesadelo.
A TV está ligada.
Sienfield conta piadas.
O relógio marca uma da tarde.
Enfim consegui dormir