Dez horas da noite. Estou cansado. Não tenho vontade de dormir.
Ligo o computador. Email, orkut, MSN, youtube.
O passatempo habitual não agrada hoje.
Ligo a TV.
Tiros e sangue no 62.
Um sucesso de bilheteria no 61.
Um clássico de Fellini no Cult.
No TNT, um filme que eu já vi.
Na Fox, um filme que não quero ver.
No Multishow tem música. Na MTV também.
Luciana fala besteira.
Gilberto Barros e a prova do tubo.
Não vejo novela na Globo, também não vou ver na Record.
Pra mim já chega.
Vou dormir.
Um copo de leite com Nescau e alguns biscoitos.
Escovo os dentes, arrumo a cama.
Estou pronto.
Deito e fecho os olhos.
Espero um pouco. Um pouco mais.
O sono não vem.
Conto carneirinhos.
Um carneirinho, dois carneirinhos, três, quatro... cento e vinte sete.
Perco a conta.
Desisto.
Olho par o teto.
Olho a hora. Dez e quarenta.
Ah, ainda é cedo. Não é hora de dormir. Por isso não consigo.
Volto para a sala.
Sento no sofá.
Procuro o controle.
Ligo a TV.
Uma cobra faminta observa um suculento sapo no Discovery.
No Cartoom, um desenho da minha infância.
Um carro explode no AXN e eu continuo sem conseguir pegar no sono.
Mudo, mudo e mudo de novo.
Passo por todos os canais.
Olho a hora, onze e vinte e três.
O tempo não passa. O sono não vem.
Eu fico impaciente.
Um programa bom, é só o que peço.
Vou ao banheiro.
Banho quente para relaxar.
Volto para a sala.
Um filme de suspense no 43
Um crime, muitos suspeitos.
Quem será o assassino? Fico tenso.
Esqueço o sono. Não quero mais dormir.
Agora eu quero desvendar o mistério.
Mais mortes, mais tensão.
Tenho um palpite.
Meu suspeito morre.
E agora? Quem é o assassino?
O final se aproxima.
Fecho olho.
Quando abro não há mais suspense.
Não há mais filme.
Doutor House examina um paciente.
Quem matava? Eu não sei.
Adormecei.
E o pior; agora estou acordado.
Sem assassino e sem sono.
Uma hora. Hora de criança estar dormindo.
Não sou mais criança. Continuo acordado.
No Sportv tem futebol.
O jogo é ruim. Já sei o resultado.
No 60, assisto pôquer.
O barbudo blefa e ganha.
No shoptime vende-se de tudo
Tudo é caro.
Já no 22, vendem-se tapetes.
Quem compra um tapete compra demais.
Os canais passam, mas o tempo custa a passar.
A posição no sofá incomoda
Já estou deitado.
Chamo o sono. Ele finge que não ouve.
A MTV recomenda um livro.
Aceito a sugestão.
Não quero um livro bom. Quero algo chato, que me faça dormir.
Procuro na estante.
“O pessimismo e suas vontades”.
Nietzsche e schopenhauer. A dupla perfeita. Melhor do que qualquer sonífero.
Começo a ler e logo paro.
Duplinha chata. Perco o pouco sono que tinha.
Volto para a TV.
NET Digital. 24 horas no ar
O 17 informa a hora, duas e meia.
Coloco no 64, Al Pacino fala português.
Ele também está com insônia.
Compartilhamos o mesmo problema.
Espero não ter o mesmo final que ele.
No 62 não há mais tiros nem sangue.
No HBO, começa um filme engraçado.
Começo a ver, mas não estou com vontade de rir
Coloco no Sony.
Lá o seriados já vem com risadas embutidas.
Assim, eu economizo as minhas.
No 63, ele se declara e ela aceita.
O amor é lindo.
Bem que a vida poderia imitar a arte.
Não imita.
Penso nela.
O que deve estar fazendo?
Provavelmente dormindo. Sonhando com os anjos
Comigo também? Quem dera.
Acho que não.
A vida é dura.
Então eu mudo, e mudo de novo.
Meg Ryan e Nicolas Cage aparecem na tela.
Eles estão felizes.
A felicidade dura pouco.
Ele fica triste. Eu também
E de repente estou na rua.
Não passa carros nem pessoas
Estou só.
Percebo um vulto que se aproxima.
Ele diz algo
Eu não entendo
Ele aponta uma arma e eu não compreendo.
Então atira.
Me sinto quente.
Tudo fica escuro.
E eu acordo.
Foi um sonho, um pesadelo.
A TV está ligada.
Sienfield conta piadas.
O relógio marca uma da tarde.
Enfim consegui dormir